A lapiseira do arquiteto
Como arquiteto, e estudante de arquitetura que o fui, sempre tive presente em meu imaginário a mítica sobre a relação entre o profissional e seu principal instrumento físico de trabalho que é a lapiseira. Mais fortemente ressaltado nos tempos atuais onde a computação gráfica torna-se cada vez mais poderosa e presente no dia-a-dia profissional.
Há muitas formas de avaliar esta chamada “evolução” da profissão. Sou um forte defensor de todas as formas disponíveis para o nosso desenvolvimento de trabalho, mas entendo que para tudo exista o elemento mais indicado para a questão.
À tecnologia, atribui-se qualidades como velocidade, qualidade gráfica, capacidade de produzir diversas informações com o desenvolvimento de um único material e “tantíssimas” outras coisas.
É fato. Hoje, a tecnologia na arquitetura proporciona isto e, de fato, muito mais.
Porém, o que se vem esquecendo ultimamente é que a arquitetura é feita de puro conhecimento. Da habilidade que o profissional desenvolve em criar, integrar, interpretar, compreender e desenvolver os mais diversos desafios e necessidades de nosso dia-a-dia.
Ver reportagem sobre a última palestra realizada pelo famoso arquiteto Alvaro Siza no MoMa de NY e me deparar que a base de toda a palestra dele foram os croquis de estudos...e, por meio deles, foi contada toda uma história sobre os diversos projetos abordados, mostra a força que a relação entre o conhecimento profissional é capaz de produzir ao conduzir gentilmente riscos no papel pela empunhadura de uma lapiseira.
Quando eu converso com amigos a respeito da importância no domínio da lapiseira e do croqui eu sempre faço um desafio: “Eu duvido que alguém faça um desenho com computador mais rápido do que eu com lapiseira”.
Minha certeza de que nunca irei perder esta aposta é porque o nosso cérebro é a tecnologia mais avançada que já produzimos e provavelmente tenhamos capacidade de fazer algo parecido.
Se eu riscar uma linha no papel, eu posso imaginá-la e assegurar que trata-se de uma estrada, ou de um canudo, ou de um prédio, ou o que for. Isto porque quando eu digo que aquela linha é uma estrada, nosso cérebro ativa um gigantesco banco de imagens mostrando tipos e formas de estradas que mais se enquadram ao momento. São frações de segundos.
O que quero dizer é que não precisamos ter a qualidade visual de poderosíssimos programas de computação para idealizar e criar qualquer coisa.
Precisamos apenas de conhecimento, sensibilidade e confiança. O talento é o tempero que diferencia um dos outros. É o motor que dá condição de ir mais longe, mas é preciso querer usá-lo.
Quando estudamos e criamos não estamos devemos estar preocupados se o que o nosso processo mental materializa é bonito ou não, mas sim a qualidade que está sendo testada.
A beleza é um resultado final. É um outro momento. O belo por belo não se sustenta, não tem conteúdo, passa como moda e não volta mais.
Quando surgiu a fotografia, disseram que o fim da pintura estava próximo. E sempre que uma nova tecnologia surge, as velhas práticas artísticas são postas em xeque-mate.
Realmente. Hoje em dia, qualquer um pode bater uma foto, ou transformar uma foto em uma pintura impressionista por meio de programas que carregamos até em nossos telefones.
O que não está ao alcance de todos é transformar o algo comum em algo diferente pelo poder do olhar ou interpretar. Para isso não tem tecnologia que substitua conhecimento, sensibilidade, coragem, paixão e talento para dar forma as suas criações.
Para nós arquitetos, não é a computação gráfica dos 3Ds que será lembrada, mas sim o legado artístico, construtivo e intelectual que formos capaz de produzir. Serão nossos rabiscos, pensamentos e trabalhos concretizados.
Maurício.